Textos criativos

A Alma de um Povo

  A ALMA DE UM POVO Ponte da Barca, terça-feira, 23 de Agosto, oito da noite. As ruas, com iluminações coloridas, estão fechadas ao trânsito. Há gente, muita gente, que caminha sem destino, errante. É a Romaria de São Bartolomeu. Gente da terra, muitos que foram para fora procurar uma vida melhor e regressam nesta época, para matar saudades das gentes e da terra. Saudades. Crianças, jovens e adultos, muitos com os corpos marcados pela dureza do trabalho no campo. Homens de costas encurvadas, com a testa enrugada, rosto vermelho e olhos esbugalhados. Mulheres de lenço na cabeça, com as pernas inchadas e varizes à vista. Pessoas reais. Fomos jantar nas barraquinhas, onde a oferta é local e variada. A Beatriz trouxe-me arroz de feijão e um caldo verde, enquanto fiquei a reservar uma mesa que, entretanto, ficou livre. Faltava a bebida, que fui buscar a outra barraquinha: o vinho verde branco, de Ponte da Barca. Faltava o vinho. Olho à minha volta, e vejo o que as pessoas estão a comer: bacalhau frito, moelas, pasteis de bacalhau, arroz de cabidela, chouriço assado, sandes de leitão… Saímos do pátio das barraquinhas e fomos caminhar pelas ruas, porque é aí que a festa acontece. Encontro o João, ao cimo de umas escadas, com uma concertina ao peito. Faz parte de uma das muitas rusgas que vão desfilar pelas ruas da vila. Dei-lhe um cumprimento à distância e recordei os momentos de conexão que vivemos nas sessões de meditação, às terças-feiras ao final da tarde. Quando conheci o João, na primeira sessão de meditação, disse-me Pedro, eu sou muito cético. Vou participar na sessão porque estou incumbido de fechar o espaço e não tenho mais nada para fazer. Depois daquela sessão, o João nunca mais foi o mesmo, como ele próprio dizia. Guardo-o no coração. Quando contactamos com certas regiões do nosso Ser ficamos irreversivelmente transformados. Não é possível voltar para trás. Esperámos um pouco, na berma da rua principal, e começámos a escutar as primeiras rusgas. Concertinas, adufes, bombos, castanholas, pandeiretas, reque-reques… entoam os ritmos da alma destas gentes. O meu corpo acompanha-os, e a minha alma também. Olho-os nos olhos, enquanto tocam, e não há alegria. Olho as pessoas à minha volta, e não vejo alegria. Saudade e tristeza, talvez. Ao fundo da rua, dois homens discutem, enraivecidos, incendiados pelo álcool. Uma maneira de esconder o que dói. Afinal, o fogo de artifício era no dia seguinte. Viemos embora já noite dentro. Gosto de pensar que o fogo de artifício é para celebrar a Vida, e a Vida tem muitos contrastes, muitas dualidades e, porventura, muitas ilusões e enganos. O coração bate no peito, e isso não é uma escolha nossa. Os contrastes e as dualidades também não. Fazem parte do jogo. Gosto de pensar que o fogo de artifício é para comemorar todas as escolhas feitas e todas as aprendizagens realizadas, porque foi através delas que chegámos aqui. Honrando-as, precisamos agora de olhar para dentro e perguntar “O que é que eu estou a sentir? O que é que eu preciso para me sentir melhor?” e decidir fazer diferente. A Comunicação Não-Violenta magnetiza a agulha da nossa bússola interna, para que nos possamos orientar no caminho, em direção à Arca do Tesouro, onde se encontra a Harmonia, a Paz, o Amor, a Alegria, o Entusiasmo, o Prazer, a Tranquilidade… Curvo-me diante do São Bartolomeu, um dos doze apóstolos de Jesus, agora parte do Grande Inominável. Curvo-me diante de todas as pessoas reais. António Pedro Martins

A Alma de um Povo Read More »

À sombra de uma Baobab (a árvore da Vida)

ÁFRICA “Não existem países pobres. Existem países empobrecidos.” Dizia uma formadora de um país da América Latina fustigado por guerrilhas alimentadas pelo narcotráfico. Estou em África, num país fustigado pela fome e pela miséria, e veio-me à memória aquela frase. Teranga, significa a arte de bem acolher. E que bem acolhido eu me senti, como em nenhuma outra viagem, e o meu coração bateu forte, muito forte. Em vários momentos me afastei das pessoas que me circundavam para que as minhas lágrimas pudessem correr livremente. Não, não era pena. Era Amor. Era o meu coração que chorava. Estou de férias. Sou um forasteiro que em breve regressará ao seu país, onde tudo parece melhor, mas não é. Aqui há fome de comida e abundância de Terra. Não meu país há abundância de comida e fome de Terra. Perdemos a ligação com a Terra. Falta-nos alegria, entusiasmo… fome de viver! Aqui as plantas curam e os ritmos dos tambores exorcizam e devolvem-nos a força vital. África tem isto. Com pouco fazem muito. Estou de férias num país que exportou escravos para muitos lugares do planeta, sempre explorados por brancos ricos e poderosos. À sombra de uma baobab, em nome de todos os brancos, ajoelho-me e peço perdão a todos os negros, a todos. Às vezes, no meu país, também me sinto nessa condição, de escravo. Se acredito que temos sempre escolha, dou comigo a perguntar-me qual a escolha possível deste povo para resolver o problema da fome, da saúde e da falta de condições de vida? E recordo a interdependência entre todos nós. Podemos dar as mãos e resolver todos os problemas do mundo. Podemos escolher olhar para cada pessoa como um irmão. Quando o fizermos, viveremos numa abundância nunca antes experimentada na história da humanidade. Estamos quase lá, e estamos a ser empurrados para lá. Entre a Vida e a morte, que tenhamos a lucidez e a coragem de escolher a Vida. Estamos dispostos a olhar para os africanos como iguais, como irmãos? Estamos abertos para darmos as mãos? Estamos com vontade de aprender o que África, e os africanos, têm para nos ensinar? Estamos disponíveis para partilhar o que temos e o que conhecemos? Está nas nossas mãos a construção de um mundo novo, abundante, pacífico e harmonioso, onde todos desfrutamos de viver uns com os outros, num grande jardim que é o planeta Terra. Bem-vindos ao jardim, que estamos a construir! Gratidão a todas e todos os que o estão a construir! Dixit

À sombra de uma Baobab (a árvore da Vida) Read More »

Flecha de Fogo

É uma enorme alegria saber que o livro DO CONFLITO AO AMOR, a Comunicação Não-Violenta na Escola e na Vida anda por aí a ser lido, e a ser sentido com o coração. Tenho recebido os melhores testemunhos, e acredito que possa ser uma boa sugestão de leitura para o Verão que está prestes a começar (e para todas as outras estações do ano). Aceita o desafio de leitura! Deixo-te a leitura do poema “Flecha de Fogo” da página 12, e o texto!     FLECHA DE FOGO Que a flecha de fogo Te possa tocar devagar Como no teu rosto A suave brisa do mar   Que cada lágrima derramada Te devolva o brilho nos olhos Como o de uma gota de orvalho Suspensa ao nascer do Sol   Confia no arqueiro Do outro lado do horizonte branco E apressa-te devagar O grande encontro aguarda-te   Deixa-me atravessar as tuas pupilas E caminhar no teu oceano índigo Onde todas as estrelas brilham livremente Encontramo-nos aí ao anoitecer   E que possas escutar O que nunca te poderei dizer   ©Copyright António Pedro Martins

Flecha de Fogo Read More »

Um voo sem retorno (um conto biográfico)

  Um voo sem retorno Há algum tempo fiz uma oficina de contos biográficos com a Anna Rosseto (que é genial!), na qual construi um conto. Mais tarde a Anna convidou-me para uma live no Instagram para contar o meu conto. Nem imaginam a ansiedade que os diretos das redes sociais me causam. Mesmo assim, aceitei o convite e fui contar o meu conto biográfico, que agora venho partilhar convosco. Com esta história ficas a conhecer um pouco de mim e, quiçá, um pouco de ti também. A história de um, quando é verdadeira, reverbera em todos. Por isso partilho-a contigo. Cada passo que damos é sagrado. Temos um pé no conhecido e o outro vai para o desconhecido, confiando que o chão vai lá estar para nos apoiar. Sou imensamente grato à vida por nunca me ter faltado o chão, nas grandes e nas pequenas decisões. Foram elas que me trouxeram até aqui, e hoje, mais do que nunca, sinto-me conectado com a Vida. Deixa o teu email para receberes informação gratuita aqui.  

Um voo sem retorno (um conto biográfico) Read More »